quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Um - dois com o Linha de Passe!

Análise do filme: Linha de Passe de Walter Salles e Daniela Thomas


Breve Sinopse


Cleuza, mãe de quatro filhos e a espera de mais um, tem de lidar com as dificuldades de criá-los sozinha em uma zona pobre da cidade de São Paulo. Os filhos vivendo sem a referência paterna buscam sobreviver e encontrar um sentido para as suas vidas. O filme retrata a luta de uma mãe e de seus filhos na procura da sobrevivência dos sonhos, da construção de uma individualidade meio às complexidades da pobreza, da falta de estrutura familiar, e do cotidiano asfixiante da grande metrópole.

Análise

A primeira imagem do filme nos diz muito sobre o conteúdo da obra. A “fotografia” de Cleuza (Sandra Corvelone) sentada grávida na cama coloca o espectador frente à mãe em sua individualidade, em sua dor solitária perpetuando (gravidez) as dificuldades da família. De certa maneira é um retrato da mulher sem instrução (intelectual, sexual...) que acaba sendo obrigada a cuidar dos vários filhos devido à ausência do marido, ou melhor, dos maridos. A cama como objeto de conexão com a prática sexual, também carrega um simbolismo na cena. Na introdução os personagens são ligados às suas práticas cotidianas. A mãe e o futebol, o motoboy e o frenesi das ruas de São Paulo, o “caçula” no ônibus da cidade, o filho religioso no culto da igreja e o jogador de futebol no campo. O filme não apresenta ao espectador uma família na mesa de jantar reunida e feliz (como em muitos filmes italianos), mas em fragmentos, separados, cada um na busca de suas paixões e na resolução de seus dilemas pessoais. Observamos a dissolução da visão tradicional da família, aquele antigo ambiente de trocas afetivas é substituído por um ambiente hostil sem espaços para o diálogo. Os diretores distribuem entre as características dos personagens paradigmas do “ser brasileiro”, como o futebol e religiosidade, misturados ao drama da dificuldade econômica e da dureza do dia - dia de São Paulo. A obra reflete e aproxima essas duas “paixões nacionais” (futebol – religião) como uma possibilidade de escape do rude cotidiano. Adquiri um contorno poético o momento da identificação do costume das comunidades evangélicas de levantar a mão para cima como agradecimento e louvor a Deus, com as mãos dos torcedores comemorando no estádio. Essa equiparação da paixão pelo esporte numa “religião” pode ser considerada como um reflexo da precária condição social e da reduzida perspectiva aberta pela mesma, quanto à educação e a possibilidade de conquista de uma visão de mundo mais abrangente e sensível. No caso essas representações são realizadas por Cleuza (fiel torcedora do Corinthians), Dario (Vinicius de Oliveira) pretendente a jogador de futebol, e Dinho (José Geraldo Rodrigues) como o evangélico. A dureza da realidade recai sobre os dois personagens (Dario e Dinho) quando o primeiro tem de enfrentar a idade avançada para o ingresso como profissional do futebol e o segundo quanto a dificuldade de enxergar um milagre e a transcendência em um cotidiano massacrante. Os dramas dos outros personagens Denis (João Baldasserini) e Reginaldo (Kaique Jesus Santos) se relacionam mais com a cidade. O primeiro é um motoboy sem dinheiro para sustentar o filho, o segundo é um menino que busca encontrar seu pai nos ônibus urbano. É através desses personagens que o filme mostra a loucura das ruas de São Paulo oferecendo ao filme a possibilidade do retrato da dinâmica da cidade. Denis é o representante da continuidade do modelo de “construção familiar”, enquanto Reginaldo é o espelho dessa condição vivendo na procura da figura paterna. Não é por acaso que no filme os personagens se confrontam mais rispidamente. Denis reproduz em sua vida o dilema do irmão Reginaldo, o fato de ser um pai ausente. Eles representam a continuidade da fragmentação familiar iniciada pela mãe Cleuza e seus maridos. Um elemento simbólico é a pia da cozinha. Eles não conseguem desentupi-la. A pia entupida se confunde com as complexidades dos personagens, a dificuldade de vencer os obstáculos, de conquistar os seus objetivos. Outro detalhe interessante é o título do filme e sua relação com o universo do futebol. “Linha de passe” no futebol é a troca rápida da bola entre os jogadores. A conexão temática do futebol tem uma implicação na forma do filme, traçando um paralelo entre a linguagem futebolística e os deslocamentos espaciais dos personagens na obra. A cidade, as relações interpessoais construídas nela e a dificuldade econômica são elementos fundamentais na obra. O ritmo frenético da cidade potencializa as fragilidades dos relacionamentos humanos e abalam o equilíbrio emocional do homem. Resta-nos não enxergamos mais coletivamente, mas apenas enquanto indivíduos. Como Dario jogador que não consegue ver o futebol coletivamente, mas somente como uma individualidade, como possível concretização do sonho de ser um jogador. Não é a vitória coletiva, mas sua vida que está em jogo. Tirando o olhar do filme e transportando para a realidade, isso nos diz muito sobre a crise do futebol brasileiro!


Ficha Técnica:
Filme: Linha de Passe
Direção: Walter Salles e Daniela Thomas
Elenco: Sandra Corvelone, Vinicius de Oliveira, José Geraldo Rodrigues, João Baldasserini, Kaique Jesus Santos
Ano: 2008
Premiações: Melhor interpretação feminina: Sandra Corvelone Melhor filme (indicação)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sonhos, profecias e lendas... e a busca de Kurosawa

Sonhos, profecias e lendas... e a busca de Kurosawa

Apesar de não conhecer toda a obra de Akira Kurosawa percebo a preocupação do diretor em investigar as raízes do desequilíbrio entre homem e natureza (o mundo natural propriamente dito) e homem e sua própria humanidade. Em "Derzu Uzala" é o próprio personagem a representação de outro olhar ou outro "contrato" entre homem e natureza. Em "Viver" foi necessário o personagem contrair uma grave doença para recuperar o sentido de sua vida. Em "Sonhos" o que interessa realmente é o vínculo dos fragmentos com o mundo real, que, aliás, é a própria natureza do universo onírico. Os sonhos de Kurosawa possuem uma conexão com as diferentes fases do homem. O inicio com a figura do menino em contraposição com a figura do velho no sonho dos moinhos. No inicio e no fim a mesma preocupação: a busca da ordem perdida entre homem e natureza.
No primeiro sonho é a curiosidade do menino que o leva a ver o que não poderia ser visto: o casamento das raposas. A partir de uma "fábula", Kurosawa nos mostra a ruptura entre homem e natureza, que nasce do desrespeito as suas próprias leis: ele simplesmente não poderia ver! Abro um parêntese apenas para mostrar a relação dessa observação com o pecado original de Adão e Eva. Eles podiam comer de todas as frutas, menos da árvore do conhecimento do bem e do mal; essa era a condição e pronto! No sonho do Pessegueiro o desrespeito a natureza é o centro da questão novamente. Podemos perceber nesses dois sonhos um detalhe importante: as crianças são as únicas que conseguem ver e dialogar com a natureza, digo com essa natureza personificada (metafórica ou não), que carrega a visão do homem como cooparticipante não como proprietário. Trazendo consigo ainda resquícios de um mundo incorruptível, o menino consegue provar seu amor pelos pessegueiros e pôde revê-los mais uma vez. No terceiro sonho podemos perceber a aventura ou batalha: homem e natureza. Aqui, Kurosawa nos mostra a tensão homem x natureza através da nevasca. Para mim, Kurosawa fecha temporariamente um ciclo, que ele continuará no sonho da explosão da usina nuclear. O sonho do soldado voltando da guerra inicia a investigação do desequilíbrio do homem com a sua própria humanidade: por que nos tornamos bárbaros? O túnel se torna muito simbólico para mim, por ele passamos para dentro do homem e agora investigamos a sua "barbárie interior" a barbárie da guerra! A viagem do personagem a procura de Van Gogh se conecta ao sonho do soldado no sentido de tentar entender (do ponto de vista da arte) os tormentos internos do homem. E a passagem do personagem para a tela é provavelmente uma das mais lindas da história do cinema. Com o sonho da explosão da usina nuclear é retomado o "mote": homem x natureza. Também conectado com o sonho das mutações, que obviamente é o resultado do sonho anterior. Considero estes dois sonhos (usina e mutação) uma espécie de "profecia" em torno das perigosas intervenções e invenções humanas, que sujeita dia após dia a natureza aos ideais capitalistas ou socialistas, vide Coréia do Norte. O último sonho é o retrato dos ideais e valores que Kurosawa sonha para humanidade. Do primeiro ao último sonho temos exposto na tela a caminhada humana. Podemos perceber que os personagens principais estão sempre caminhando em busca de algo... Interessante notar que dentre estes o velho é o único que está parado. Provavelmente, com a sua idade avançada percebeu a inutilidade de "correr atrás do vento" que é o dia-dia da humanidade. E quando resolve se mover é por algo muito importante: o cortejo de morte de uma velha amiga. Kurosawa sonha com uma relação de interdependência entre homem e natureza, sonha com uma humanidade que não precise de motivos específicos e explicações intelectuais para crer em um Deus ou realizar um ato de carinho, que simplesmente realizemos!
Obrigado Kurosawa!!!

Ficha Técnica: "Akira Kurosawa´s dreams"
Ano:1990
Escrito e Dirigido por Akira Kurosa

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Motivações...

Criei o blog para ser um campo aonde possa expressar minhas ideias sobre música, cinema, literatura, arte em geral. Mas, estarei aberto a realizar reflexões que ultrapassem os limites da arte.
Por enquanto, é isso daí. Tentarei colocar a disposição alguns textos de ánálises cinematográficas que fiz para o "zine" Circense, basicamente sobre a trilogia das cores do cineasta polonês Kieslowski. Tentarei colocar também uma análise do filme "Morangos Silvestres" do Bergman.
A página está aberta a qualquer um que quiser expressar seus textos e reflexões.
Abraços!
Danilo