segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sonhos, profecias e lendas... e a busca de Kurosawa

Sonhos, profecias e lendas... e a busca de Kurosawa

Apesar de não conhecer toda a obra de Akira Kurosawa percebo a preocupação do diretor em investigar as raízes do desequilíbrio entre homem e natureza (o mundo natural propriamente dito) e homem e sua própria humanidade. Em "Derzu Uzala" é o próprio personagem a representação de outro olhar ou outro "contrato" entre homem e natureza. Em "Viver" foi necessário o personagem contrair uma grave doença para recuperar o sentido de sua vida. Em "Sonhos" o que interessa realmente é o vínculo dos fragmentos com o mundo real, que, aliás, é a própria natureza do universo onírico. Os sonhos de Kurosawa possuem uma conexão com as diferentes fases do homem. O inicio com a figura do menino em contraposição com a figura do velho no sonho dos moinhos. No inicio e no fim a mesma preocupação: a busca da ordem perdida entre homem e natureza.
No primeiro sonho é a curiosidade do menino que o leva a ver o que não poderia ser visto: o casamento das raposas. A partir de uma "fábula", Kurosawa nos mostra a ruptura entre homem e natureza, que nasce do desrespeito as suas próprias leis: ele simplesmente não poderia ver! Abro um parêntese apenas para mostrar a relação dessa observação com o pecado original de Adão e Eva. Eles podiam comer de todas as frutas, menos da árvore do conhecimento do bem e do mal; essa era a condição e pronto! No sonho do Pessegueiro o desrespeito a natureza é o centro da questão novamente. Podemos perceber nesses dois sonhos um detalhe importante: as crianças são as únicas que conseguem ver e dialogar com a natureza, digo com essa natureza personificada (metafórica ou não), que carrega a visão do homem como cooparticipante não como proprietário. Trazendo consigo ainda resquícios de um mundo incorruptível, o menino consegue provar seu amor pelos pessegueiros e pôde revê-los mais uma vez. No terceiro sonho podemos perceber a aventura ou batalha: homem e natureza. Aqui, Kurosawa nos mostra a tensão homem x natureza através da nevasca. Para mim, Kurosawa fecha temporariamente um ciclo, que ele continuará no sonho da explosão da usina nuclear. O sonho do soldado voltando da guerra inicia a investigação do desequilíbrio do homem com a sua própria humanidade: por que nos tornamos bárbaros? O túnel se torna muito simbólico para mim, por ele passamos para dentro do homem e agora investigamos a sua "barbárie interior" a barbárie da guerra! A viagem do personagem a procura de Van Gogh se conecta ao sonho do soldado no sentido de tentar entender (do ponto de vista da arte) os tormentos internos do homem. E a passagem do personagem para a tela é provavelmente uma das mais lindas da história do cinema. Com o sonho da explosão da usina nuclear é retomado o "mote": homem x natureza. Também conectado com o sonho das mutações, que obviamente é o resultado do sonho anterior. Considero estes dois sonhos (usina e mutação) uma espécie de "profecia" em torno das perigosas intervenções e invenções humanas, que sujeita dia após dia a natureza aos ideais capitalistas ou socialistas, vide Coréia do Norte. O último sonho é o retrato dos ideais e valores que Kurosawa sonha para humanidade. Do primeiro ao último sonho temos exposto na tela a caminhada humana. Podemos perceber que os personagens principais estão sempre caminhando em busca de algo... Interessante notar que dentre estes o velho é o único que está parado. Provavelmente, com a sua idade avançada percebeu a inutilidade de "correr atrás do vento" que é o dia-dia da humanidade. E quando resolve se mover é por algo muito importante: o cortejo de morte de uma velha amiga. Kurosawa sonha com uma relação de interdependência entre homem e natureza, sonha com uma humanidade que não precise de motivos específicos e explicações intelectuais para crer em um Deus ou realizar um ato de carinho, que simplesmente realizemos!
Obrigado Kurosawa!!!

Ficha Técnica: "Akira Kurosawa´s dreams"
Ano:1990
Escrito e Dirigido por Akira Kurosa

Um comentário:

  1. Danilão,
    Acabei de assistir "RAN”, nunca tinha o visto antes. Não encontramos aí também um desequilíbrio do homem com sua própria humanidade e também um sentido de caminhada humana? Na figura dos filhos, na figura do pai que outrora foi um conquistador mas que de certa forma se amargura com isso (ao pedir que sua nora o olhe com ódio pela destruição de sua família) e também na figura do bobo que em vários momentos se sentiu tentado a ceder abandonando o velho em prol de seu egoísmo humano mas que não consegue fazê-lo devido à vida que o liga a ele. Será que não deixa de ser um desequilíbrio do homem com sua humanidade, porém, no caso do bobo, um desequilíbrio onde sua humanidade falou mais alto?

    Abraços,

    Pedro

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